quinta-feira, 6 de outubro de 2011
Ao injetar dinheiro nos bancos que estes não passaram para a economia real, os estados estavam a tentar empurrar uma corda comprida para dentro de um buraco. Um trabalho tão fútil quanto esgotante.
1. Uma pessoa normal, em geral, fica insolvente quando não tem dinheiro para pagar as suas dívidas e demais obrigações. Um banco fica insolvente quando não tem pessoas a quem emprestar o seu dinheiro. As duas coisas podem ocorrer em ciclo: as pessoas insolventes não pagam as suas dívidas aos bancos; e os bancos deixam de ter clientes dignos de crédito, entrando em insolvência.
Se o negócio do banco está em encontrar gente a quem possa emprestar dinheiro isso significa que as pessoas são o ativo do banco. Pessoas insolventes tornam insolventes os bancos.
No início desta crise, os estados tentaram resolver a crise injetado liquidez — ou seja, dinheiro — nos bancos. Isso não fez deles mais solventes. Havia uma falta de clientes dignos de crédito e os bancos ficaram cheios de dinheiro, que não emprestaram. E as pessoas continuaram cheias de dívidas.
Pior: entretanto, os estados gastaram os seus recursos e alguns deles estão também insolventes, ou perto disso. Como os estados também são clientes dos bancos, o facto de se terem tornado indignos de crédito torna os bancos insolventes a uma escala insuportavelmente incerta. Esta incerteza diminui radicalmente o número de clientes (estados, pessoas normais, empresas da economia real) dignos de crédito. O ciclo repete-se e agrava-se.
2. E se, desde o início da crise, os estados tivessem feito ao contrário? Em vez de darem dinheiro aos bancos para estes emprestarem às pessoas teriam dado dinheiro às pessoas para estas pagarem as suas dívidas aos bancos? As pessoas teriam diminuído os seus níveis de endividamento, tornando-se mais dignas de crédito, e em consequência os bancos tornar-se-iam mais solventes.
Isto já aconteceu no passado, quando na Grande Depressão os estados se viram forçados a criar agências de crédito para se substituir ao sistema bancário que estava congelado. Essas agências facilitavam o acesso ao crédito às empresas da economia real, que assim pagavam salários, com os quais as pessoas podiam pagar dívidas, poupar, ou consumir.
É o mesmo problema, visto ao contrário.
3. Imagine uma corda comprida que é preciso enfiar dentro de um buraco num muro. Há duas maneiras de o fazer.
A maneira errada é empurrar a corda a partir da ponta mais afastada. Se você tentar fazê-lo, reparará que a corda se enrola e serpenteia, mas que se recusa a entrar no buraco. Uma corda não é uma vara, e empurrá-la de nada serve.
A maneira certa de fazer é saltar o muro para poder puxar a corda a partir do lado de lá do buraco.
Ao injetar dinheiro nos bancos que estes não passaram para a economia real, os estados estavam a tentar empurrar uma corda comprida para dentro de um buraco. Um trabalho tão fútil quanto esgotante. Dar dinheiro às pessoas para estas pagarem as suas dívidas seria o equivalente a puxar pela corda da economia, e talvez tivesse resultado melhor.
O pior é que os estados ficaram demasiado exaustos pelo exercício e agora não têm como ajudar as pessoas (na Argentina acabaram por aparecer moedas improvisadas, como o patacón de Buenos Aires; pergunto-me se chegaremos a ver isso por cá).
Num dado momento da crise, que infelizmente tarda, vai ser preciso ver o problema pelo lado contrário. Essa é uma batalha de ideias que só será ganha com pragmatismo, e não com dogmatismo. É que os ativos dos bancos podem ser os clientes. Mas os ativos das pessoas são as ideias.
Escrito pelo deputado europeu, Rui Tavares: visto em "ruitavares.net/blog"
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