O PCP, o autárquico e a esquerda
O domínio teórico do marxismo foi progressivamente sendo substituído pelas grandes afirmações de cariz moral, de “indignação” contra o sistema capitalista, e em defesa da classe trabalhadora. Porém, essa defesa tende a tornar-se mera retórica. Não há notícia de produção intelectual, de esforço de releitura de Marx (num momento em que o seu pensamento voltou à actualidade no quadro da actual crise) para que os seus quadros saibam do que falam quando criticam a natureza do capitalismo. Os contributos para actualização das (e reflexão sobre as) teorias de Marx não vêm do PC mas de alguns académicos e filósofos que a isso se têm dedicado (veja-se, por exemplo, as obras de Luc Boltanski, István Mészáros ou Ricardo Antunes), mas que os dirigentes comunistas ignoram ou desprezam.
Onde mandam, os comunistas tornaram-se numa rede de carreiristas e burocratas, no que, aliás, dada a entrega total às suas tarefas, são em geral extremamente eficientes (veja-se muitos sindicatos da CGTP). Essa eficácia é particularmente requintada quando se trata se exercer represálias e vinganças sobre os chamados “filhos desavindos” do partido, aqueles que, por um motivo ou por outro, em dado momento se fartam e batem com a porta. Existem, inclusive, casos de ex-autarcas ou ex-deputados/ dirigentes que, rompendo com o partido e a sua ortodoxia, se mantêm estranhamente cúmplices e silenciosos, mesmo após a sua saída. Por vezes, chegam até a fazer uma espécie de juramento de fidelidade, ou ainda – veja-se o ridículo da coisa – a assumir em público as “culpas” que privadamente sabem que não têm. É curioso, e intrigante, ver como alguns dos desiludidos do PC não conseguem tirar as lições dos seus próprios erros.
Mesmo quando são vítimas de “purgas” internas e facadas nas costas, continuam a reproduzir as mesmas grelhas de leitura dogmáticas, vendo o mundo a preto e branco, dividindo tudo entre os bons e os maus, entre o "certo" e o "errado". No meu blogue (bosociedade.blogspot.com) ocorreu recentemente uma discussão (a propósito das eleições autárquicas em Castro Verde) onde são patentes os ódios de morte entre antigos militantes que saíram do partido e que se conhecem desde há décadas. No mar de confusões em que muitos continuam a navegar (mesmo após a saída), não sabem o que defender nem criticar, mas alguns não conseguem abdicar do protagonismo nem das sempre inabaláveis “verdades” aprendidas no seio do partido.
Olhando as cores do mapa do Alentejo e comparando os resultados das autárquicas de 2009 com as de 2005, não consigo vislumbrar onde e em quê os incondicionais do PC/CDU encontram motivos de auto-contentamento. O bastião “vermelho” está a desaparecer. E no futuro, das duas uma: ou o PC muda e se abre, promovendo a renovação e o debate internos (o que seria bom para a democracia e para a esquerda portuguesa), ou persiste na velha ortodoxia que o levará à implosão (lenta mas irreversível) e, nesse caso, outras forças irão ocupar o seu lugar. No Alentejo como no país inteiro, talvez os movimentos associativos, juvenis, feministas, ambientalistas e as novas redes do “ciberespaço” nos possam fornecer pistas para reforçar a democracia participativa e repensar o futuro da esquerda.
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