terça-feira, 5 de março de 2013
Se não sabem o que fazer, ponham metade dos desempregados a abrir buracos e a outra metade a tapá-los. O que interessa é que estejam ocupados". É esta a proposta de João Salgueiro, para "oferecer às pessoas uma oportunidade de trabalhar, em vez de ficarem a vegetar, marginalizadas". Pode ser na construção civil ou nas matas, tanto faz, desde que não chateiem.
Repare-se que Salgueiro não propõe trabalho desqualificado para garantir emprego para todos. Que não defendeu trabalho inútil para criar emprego pago que faça a economia andar. Que não há, na sua proposta, nada do que supostamente Keynes terá defendido. O objetivo é só este: ocupar as pessoas, como se de adolescentes rebeldes e em risco se tratassem.
Entretanto, Filipe Pinhal, antigo presidente do BCP, saído da instituição bancária por causa de alguns escândalos relacionados com off-shores e manipulação de ações em bolsa, que recebe uma pensão de 70 mil euros de um banco em estado de coma, anunciou vai criar o Movimento de Reformados Indignados. Será, pelo menos nos montantes da sua reforma, um movimento de peso. Mas o facto de fazer este anúncio diz qualquer coisa: que o senhor está completamente a leste do que a esmagadora maioria dos reformados (da banca e não só) pensará sobre ele e a sua reforma.
Se juntarmos a estes dois as conhecidas e repetidas declarações de Fernando Ulrich (que queria os desempregados a trabalhar à borla para o seu banco), são três bons retratos de um certo grupo social. O grupo que mais conta hoje nos destinos do mundo (isto, claro, à pequena dimensão nacional): essa nova classe de gestores financeiros, que sugam os bancos que por sua vez sugam os clientes e os cofres dos Estados. Trata-se de gente que enriqueceu na bebedeira do dinheiro fácil - eles sim, viveram acima das suas possibilidades - e criadores de um capitalismo não produtivo e economicamente inviável. No seu mundo virtual, deixaram de ser capazes de distinguir o certo do errado, o razoável do impensável. Nada os liga à sociedade. Nem sequer ao grupo social de que são originários. São lumpencapitalistas. Quando comparados com os velhos capitalistas industriais (ou até com os banqueiros propriamente ditos), estes gestores são uma subespécie sem consciência política, social e moral de qualquer espécie. Nem empresários, nem assalariados, nem capatazes. São uma coisa híbrida que cresceu na lama da economia.
Ao contrário do velho capitalista industrial, o grande gestor das instituições financeiras não segue uma ética política social própria. Não pode sequer defender a sua conduta usando o argumento da criação de riqueza ou de emprego. Nem sequer foi, em geral, criador das instituições que dirige. Não tem obra e não produz. É, resumindo, de todos os pontos de vista, um parasita. Tendo capturado, através do dinheiro sugado às atividades produtivas, o poder político, os media e a academia, o lumpencapitalista quase conseguiu normalizar condutas que qualquer liberal decente teria de considerar próximas da marginalidade.
Os limites aos bónus dos gestores da banca, definidos pela União Europeia, são o primeiro sinal de uma revolta cívica contra esta nova espécie de marginal económico. E que terminará com uma pergunta que até já nos Estados Unidos se faz (e no passado se fez muitas vezes): pode toda a economia ficar refém de uma minúscula elite financeira, que põe em perigo os Estados, as economias e até a sobrevivência do próprio capitalismo?
Podem-se ter muitas convicções sobre a intervenção do Estado na economia. Entre o liberalismo absoluto e a economia planificada haverá imensas gradações possíveis. Mas na política nunca deixou de existir uma boa dose de pragmatismo, que levou defensores acérrimos da economia de mercado a aceitar a existência de empresas públicas e comunistas de todos os costados a tolerar a existência de algumas atividades económicas privadas nos seus regimes. E esse pragmatismo diz-nos que não é possível permitir que um grupo que claramente, pelo excesso de poder que conquistou, já perdeu a noção da realidade, sugue todos os recursos, públicos e privados. E que se for necessário o Estado deve optar por uma posição de força. Que pode ir de uma regulação mais musculada até à nacionalização efetiva da banca intervencionada (não nacionalizando apenas os prejuízos), passando sempre por esta ideia: nos tempos que vivemos, os Estados não podem deixar de controlar a atividade financeira. Não é ideologia. É uma questão de sobrevivência.
As crises fazem quase sempre estalar o verniz em que a vida em sociedade se sustenta. Com a banca completamente dependente do controlo político que mantém sobre os governos e as instituições públicas (numa verdadeira economia de mercado, grande parte dos bancos europeus já teriam falido), os homens que realmente governam o mundo e o País passaram a ter rosto e voz. Pelos seus atos recentes, percebíamos que estávamos perante sociopatas. As suas palavras tresloucadas apenas o confirmam.
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