sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

"As Farpas" de Eça de Queiroz - 1871



O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência.

Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.

Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo!

Toda a vida espiritual, intelectual, parada. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretarias para as mesas dos cafés.

A ruína económica cresce, cresce, cresce. As falências sucedem-se. O pequeno comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário diminui. O estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.

Neste salve-se quem puder a burguesia explora. A intriga política alastra-se. O país vive numa sonolência enfastiada.


Primeiro livro das Farpas, escrito por Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, com publicação em Junho de 1871.

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