sábado, 3 de março de 2012

"Esta crise pode custar milhares de vidas"



Estrevista a Michael Marmot, professor de saúde Pública da University College London

Considerado um dos maiores especialistas mundiais no estudo das determinantes sociais da saúde e do impacto da pobreza na mortalidade, o epidemiologista britânico Michael Marmot, 67 anos, diretor do International Institute of Society & Health da University College London, defende que a classe social influencia o estado de saúde e pode determinar a esperança de vida. Em entrevista ao Expresso durante uma visita de dois dias a Portugal, para conferências no Instituto Ricardo Jorge e na Universidade do Algarve, o especialista alerta para os riscos das políticas de austeridade e avisa que o empobrecimento pode provocar milhares de mortes prematuras em países como Portugal e Grécia.

O que são as determinantes sociais da saúde?

São as condições da vida quotidiana, as circunstâncias em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem. Num estudo que realizámos em Inglaterra identificámos seis domínios principais, que devem ser objeto de ação: o desenvolvimento infantil; a educação e formação ao longo da vida; as condições de emprego; o rendimento; a existência de locais saudáveis e sustentáveis na comunidade; e fatores como o tabagismo, o consumo de álcool, a obesidade ou o exercício físico. Todos estes domínios são afetados por uma distribuição estruturalmente injusta do poder, do dinheiro e dos recursos.

De que forma esses fatores sociais influenciam a saúde?

De várias formas. Por exemplo, as crianças que crescem na pobreza têm menos probabilidade de frequentar a escola com capacidade para aprender, o que significa que têm pior desempenho. Quando deixam a escola sem um diploma têm mais probabilidade de arranjar um emprego com menor qualidade e maior exposição a riscos ou de ficarem no desemprego. Ou seja, o desenvolvimento infantil afeta a educação, que afeta o emprego, o rendimento, a autoestima e o sítio onde a pessoa vive. Tudo isso tem um impacto provável no facto de a pessoa fumar, ser obesa ou na quantidade de álcool que ingere, por exemplo. As determinantes sociais influenciam comportamentos e a exposição a riscos físicos, biológicos, sociais e psicológicos, que, em muitos casos, estão na origem da doença.

O risco de ficar doente e morrer prematuramente está relacionado com a classe social a que se pertence?

Sim. Quanto mais baixa é a posição que se ocupa na hierarquia social, pior é a saúde. E isso é válido para toda a escala social, de baixo a cima. As pessoas de classe média, no geral, têm piores indicadores de saúde do que as de classe alta e melhores do que as de classe baixa. É alarmante.

Isso reflete-se na esperança de vida?

Decisivamente. Há vários exemplos muito claros. Em Washington, se apanharmos o metro desde a zona pobra da Baixa da cidade, onde vivem sobretudo afro-americanos em más condições de vida, e percorrermos cerca de 20km até ao subúrbio rico, a esperança de vida aumenta 18 anos. Em Londres passa-se o mesmo. Em Westminster, onde está situado o Parlamento, rodeado de ótimos apartamentos onde vivem os políticos e a classe alta, a diferença na esperança de vida para a zona mais pobre é de 17 anos. E é assim em todo o lado. Temos nas nossas mãos os meios para mudar esta realidade. Resta saber o que temos nos nossos corações. Há vontade política para o fazer?

É possível estimar a percentagem de doença e mortalidade prematura que é provocada por fatores sociais?

Fizemos um cálculo para Inglaterra. Se todas as pessoas com mais de 30 anos tivessem a taxa de mortalidade em valores tão baixos como a que têm os licenciados, haveria 202 mil mortes a menos por ano. Isso corresponde a 40% de todas as mortes. Quanto mais altas são as habilitações, menor é a mortalidade. As determinantes sociais não são uma nota de pé de página relativamente aos problemas de saúde. Elas são o maior problema de saúde.

A atual crise económica, com o aumento do desemprego e da pobreza, vai diminuir a esperança de vida?

É muito difícil prever o futuro, porque os indicadores de saúde têm vindo a melhorar em toda a Europa. Mas a saúde das pessoas que ocupam posições mais baixas na hierarquia social melhorou mais lentamente, pelo que as desigualdades cresceram. A minha grande preocupação com esta crise económica é que essas desigualdades aumentem ainda mais. As pessoas que mantêm bons empregos e um bom padrão de vida podem não ser afetadas, mas as que ficam desempregadas, que perdem rendimentos serão. Já assistimos na Grécia a uma subida do suicídio. E o stresse causado pelo desemprego, por exemplo, aumenta a probabilidade de doenças cardiovasculares e de comportamentos perigosos como o consumo de álcool. Os efeitos na saúde vão depender muito da duração da crise e dos mecanismos de proteção social criados para atenuar os seus efeitos.

Nesse sentido, que conselho daria ao Governo português?

Num período de crise económica, é ainda mais importante focarmo-nos nas determinantes sociais da saúde. Eu não sou economista, sou médico. Olho para o impacto que as políticas de austeridade que estão a ser impostas à Grécia, à Irlanda ou a Portugal têm nas condições de vida das pessoas. Há o risco de exacerbarmos ainda mais as desigualdades na saúde. É a pior altura para cortar apoios às famílias e às crianças. Se disserem que não podem pagá-los neste momento, saibam que estão a acumular problemas para o futuro.

A crise pode custar milhares de vidas nos países europeus mais severamente afetados, como Portugal?

Sim, pode. Estou muito preocupado. É preciso tomar medidas para que isso não aconteça. Há exemplos históricos, ainda que possam não ser exatamente comparáveis. Quando se deu o colapso da União Soviética houve uma subida da mortalidade e uma descida abrupta da esperança de vida na Rússia. Cinco anos após a queda da União Soviética, havia um acréscimo de três milhões de mortes nesses países. Mas aí não houve apenas uma crise económica. Houve uma rutura dramática na sociedade.

Acha que corremos esse risco?

Temos de estar alerta. Quando vemos as imagens de Atenas, assustamo-nos. Já não é apenas uma crise económica. É uma crise da própria democracia, de toda a sociedade.

Preocupa-o que todas as atenções estejam centradas apenas na economia e que não se ligue às condições de vida das pessoas e ao impacto na saúde?

Temos de tomar decisões económicas em função do impacto que vão ter na vida das pessoas. Os governos ou os bancos podem argumentar que a dívida é tal que temos de tomar medidas de forte austeridade. Mas temo que muita da ajuda (da troika) seja para ajudar os bancos, e não os povos. Os especialistas em finanças e economia não estão a ter em conta o enorme impacto que estão a provocar na vida das pessoas.

Joana Pereira Bastos e Alberto Frias, semanário expresso 25.02.12

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