segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Antigos autarcas recordam as primeiras eleições locais há 35 anos

A 12 de dezembro de 1976 milhares de candidatos participaram nas primeiras eleições para as autarquias locais em todo o País. Foi um ato gigantesco de envolvimento político e de empenhamento na vida coletiva. E os homens e mulheres, então eleitos, foram os grandes impulsionadores e fundadores daquilo que é hoje o Poder Local democrático.

Texto Carlos Júlio Ilustração Paulo Monteiro, no Diário do Alentejo

Depois de conquistada a liberdade democrática a 25 de Abril de 1974 os portugueses já tinham votado três vezes – a 25 de Abril de 1975 para a assembleia constituinte, um ano depois para as eleições legislativas e a 27 de junho de 1976 para a Presidência da República. Mas as eleições para o Poder Local, quer pelo número de candidatos que mobilizou, quer pela proximidade às populações e a sua capacidade para resolver os problemas mais imediatos das pessoas – água, luz, estradas e saneamento –, ganharam uma importância acrescida.

Trinta e cinco anos depois, o “Diário do Alentejo” foi procurar alguns dos protagonistas deste início da “arquitetura” do Poder Local no Baixo Alentejo. Todos referem a “alegria”, o ”empenhamento”, a “disponibilidade” que então existiam.

O padre Manuel Reis, ainda hoje a exercer a sua função pastoral, tinha 34 anos. Foi eleito pelo PS presidente da Câmara Municipal de Vidigueira. Diz hoje ao “Diário do Alentejo” que “foram tempos muito gratificantes”: “Começámos tudo do zero. Sobre o Poder Local existia apenas o que dizia a constituição. Tudo o resto, a própria legislação, apareceu depois”.

Manuel Reis esteve apenas um mandato (de três anos) à frente da câmara, mas recorda “com muito gosto” este período “em que todos nos empenhámos, independentemente dos partidos a que pertencíamos, nos caboucos desta construção que foi o Poder Local e de que, muitas vezes, fomos as pedras em que o alicerce assentou”.

“Havia muito empenho. O espírito de todos era servir e melhorar as condições de vida das populações. Faltava tudo: água, esgotos, caminhos. Havia muitas povoações no Alentejo, não no concelho, ainda sem eletricidade. Os meios de que dispunhamos eram quase nulos, mas todos fazíamos os impossíveis para resolver essas carências e sentíamos que estávamos a trabalhar para o bem da comunidade”, diz.

O mesmo sentimento é partilhado por Fernando Caeiros, eleito pela FEPU (Frente Eleitoral Povo Unido, liderada pelo PCP) em Castro Verde. “As primeiras eleições autárquicas marcaram a institucionalização de um novo modelo de relacionamento com os cidadãos através do voto e de um compromisso político dos candidatos com os eleitores, que às vezes não passava de uma folha em formato A4, mas que foi importante no assumir de uma nova postura e de uma nova forma de encarar o poder local”, refere.

Fernando Caeiros, agora vogal da autoridade de gestão do INAlentejo, quando foi eleito em 1976 era o mais jovem presidente de câmara do País. Tinha 22 anos e considera que a sua candidatura “não foi um ato nem refletido, nem irrefletido”: “Aconteceu. Nessa altura já o antigo espaço republicano e oposicionista se tinha dividido, com as principais personalidades a definirem-se pela social-democracia. Em Castro Verde, o MDP/CDE tinha algum peso, mas poucas figuras. Talvez por isso tenha sido escolhido para encabeçar a lista”.

Recorda que “as eleições foram muito e vivamente participadas, com uma concorrência forte entre as diversas candidaturas, mas as questões em debate não eram muito partidárias, porque os partidos nessa altura ainda não estavam muito consolidados”.

Fernando Caeiros, após ser eleito, elaborou umas pequenas fichas de inquérito que distribuiu pelas localidades do concelho onde perguntava quais eram as necessidades mais sentidas pelas populações. “Era tudo feito na base do voluntarismo, as câmaras não tinham técnicos e mesmo o quadro de pessoal era muito escasso. Mas as populações também, nessa altura, não pediam muito: um fontanário, um caminho, etc. Os grandes projetos só vieram depois”.

Para o ex-autarca, “estas primeiras eleições foram apenas um ponto de partida, o princípio de um percurso em que ensaiámos o que depois foi conseguido, nomeadamente a lei que consagrou a autonomia financeira das autarquias locais, em 1979”.

Mas nem sempre tudo corre pelo melhor. “Há momentos na vida autárquica de uma solidão atroz. Quando as coisas correm bem, os sucessos são partilhados por todos. Quando correm mal, como às vezes acontece, o principal responsável é sempre o presidente da câmara que vive esses momentos duma forma solitária e muito difícil”, desabafa Fernando Caeiros.

Por esta altura, em Beja, Manuel Masseno, depois de presidir à Comissão Administrativa da Freguesia de Santa Maria, foi candidato à assembleia municipal.

Para este militante do PS, “foram tempos memoráveis”. Masseno recorda “sobretudo o entusiasmo das pessoas nessas primeiras eleições” de que resultou, na sua freguesia, uma votação “que ultrapassou os 90 por cento”.

“As coisas eram muito diferentes daquilo que hoje acontece. Tudo era novo e toda a gente tinha uma grande esperança. Havia uma grande disponibilidade para todos participarem e tudo era feito à borla”, diz.

Nessas primeiras eleições, das 14 câmaras do distrito, a FEPU elegeu nove presidentes (Aljustrel, Barrancos, Beja, Castro Verde, Cuba, Ferreira do Alentejo, Mértola, Odemira e Serpa), o PS quatro (Almodôvar, Alvito, Moura e Vidigueira) e o PSD apenas em Ourique.


FEPU ganha no litoral No litoral alentejano, as quatro câmaras do distrito de Setúbal (Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Sines) foram ganhas pela FEPU.

Em Sines, Francisco do Ó Pacheco tinha 28 anos quando foi eleito presidente da câmara. Era prospetor bancário e foi escolhido para liderar a lista em plena obra de construção do complexo industrial. “Como se não bastasse ser tudo novo, ainda havia a desvantagem das obras, o que fazia com que Sines tivesse o dobro da população e muitos problemas, para além daqueles que eram habituais noutros concelhos”, refere ao “Diário do Alentejo”.

“Mas foram tempos de grande alegria. Ainda vínhamos embalados com os sonhos do 25 de Abril, da revolução, de querermos fazer tudo. Para nós o importante era resolver os problemas das populações, fossem ou não competência dos municípios. Tínhamos um lema que era o seguinte: tudo o que acontecesse num município, fosse de que natureza fosse, tinha a ver com a câmara”, acrescenta.

Francisco Pacheco, que ainda se mantém como autarca, agora como vereador na oposição, ainda na Câmara de Sines, diz que “havia uma disponibilidade e uma vivência coletiva muito diferente da que existe hoje”: “A Câmara não tinha dinheiro, mas dávamos as máquinas, os materiais apareciam e a mão de obra era oferecida. E as coisas apareciam feitas: as estradas, os caminhos, etc. Hoje há um envolvimento muito pequeno das populações em qualquer decisão e criou-se um sistema de subsidiodependência em que se perdeu, por exemplo, a própria base comunitária de muitas associações, que deixaram de ter assembleias gerais participadas e em que arranjar uma lista para a direção é muito difícil”.

E acrescenta que, na sua opinião, “as autarquias caminharam e caminham para uma tecnocracia exageradíssima, cada vez mais distante da realidade das comunidades em que se integram. E se a Reforma da Administração Local for para a frente será a estocada final no Poder Local”.

Manuel Masseno partilha a mesma opinião e diz estar “muito desanimado com o curso que a política, em geral, está a seguir”: “Há um grande desinteresse por parte de todos”, diz.

Sobre o Poder Local, que diz ser “de todos os poderes o que mais brilhou e mais trabalhou em todos os anos que levamos de democracia”, considera que está ameaçado. “O que este governo está a pretender fazer com a Reforma da Administração Local é sinal de que não percebe nada disto. Acabar com uma junta de freguesia no Alentejo é uma coisa muito diferente de acabar numa grande cidade. Se tiram a junta de freguesia, depois de já terem tirado tudo, até a GNR, onde é que as pessoas se podem dirigir, a quem se podem queixar?”, pergunta. E deixa o desabafo: “Estes governantes andam na lua e o ministro da Administração Interna não sabe absolutamente nada do que anda a fazer”.

Fernando Caeiros, por seu turno, aponta também a diferença que há em pretender extinguir freguesias nos grandes centros urbanos, ou no interior, já de si desertificado, e teme que “as alterações de que se fala podem ser complicadas porque visam trazer para o Poder Local alguma das características de outros níveis de poder, o que é mau”.

“O que é preciso é não desistir do Poder Local. A proximidade que existe e o conhecimento que os cidadãos têm acerca das decisões e dos intervenientes no espaço público tornam os governos locais mais eficazes do que outros níveis da administração. E na democracia isso é o que mais vale a pena”, conclui.

O padre Manuel Reis entende não se pronunciar sobre os desafios atuais do Poder Local. Diz apenas que “hoje as coisas são diferentes, há mais assessores e mais técnicos, mas falta o envolvimento “que existia nessa altura”. Um envolvimento “que passava mesmo pelos diversos presidentes de câmara de todo o distrito, independentemente da área política a que pertenciam. Reuníamo-nos todos os meses, sempre num concelho diferente e era um momento de trabalho, mas também de partilha e de convívio. Criámos laços de amizade uns com os outros, que também facilitava muito as coisas”, acrescenta o pároco de Vidigueira. .....

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